segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Então...

... Estou aqui na alcova umidecida pela chuva de outrora perdido no espaço vazio da cama que você deixou ao sair esta tarde,
Mas aquecido o coração impede a solidão imposta
pela casa abandonada e os uivos dos ventos na janela,
As convicções das pessoas normais,
As cores do céu, lilás
Aliás, nada mudou no nosso cenário sem encenação
nem atores,
Só personagens reais da vida real.
Espero com portas e peito aberto o seu abraço acalento.
Então...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Temporal

Cinza. Tenso. Tempo. Traço. Linha. Infinito. Penso. Canso. Passo. 
Rádio. Fala. Sombra. Pasta. Papel. Canto. Sereno. Célebre. Sereia.
Encanto. Tento. Canto. Deixo. Deixa. Beija. Abraça. Pranto. Rema.
Céu. Azul. Turquesa. Pedra. Pedras. Precisão. Precisar. Preciso.
Divagar. Passagem. Lira. Lírio. Lima. Boca. Temporal.

Capuz. Telhado. Abraço. Carinho. Mãos. Carência. Não.
Diversão. Sorriso. Sobras. Solidão. Desespero. Não.

Casa. Casta. Cesto. Incenso. Fumaça. Perfume. Nudez. Sim.
Mérito. Chuva. Prazer. Carícia. Olhar. Sublime. Sim.

Divagar. Passagem. Lira. Lírio. Lima. Boca. Temporal.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Necessário*

Preciso falar sobre o amor.
Preciso recitar cada olhar.
Reintegrar os sentimentos, sentidos; atentos.
Reestabelecer nosso lugar.
Minha casa não é a mesma desde que pisou aqui, há cinco vidas atrás.
Meus olhos têm outras cores, as suas; minhas mãos outra pele, a tua.
Minha cama sobra espaço quando não estás aqui.
E meu corpo, nosso, gela sem teu corpo.
Preciso abaraçar o amor.
Preciso beija-lo infinito, ou beijar-te, infinitas vezes.

Penso sempre em ti, que é metade de mim.
Pense sempre em mim, que sou só coração a te seguir pela imensidão vazia deste lugar.


Preciso dedicar o nosso amor.
Preciso resgatar cada olhar.
Guardar com cadeado a sete chaves, proteger com arco-e-flecha.
Reestruturar nosso pesar sem pensar.
Minhas falas não tem palavras o bastante, desde que me fez sentir-te.
Meus braços pedem seu abraço, como um casaco aberto à esperar.
E meus sonhos, se realizam em nosso estar mais perfeito.
Preciso me perder nesse amor.
Pois em ti, ja sei me encontrar. 



*Dedicado a uma pessoa em especial, que  muda minha vida como o vento muda a direção das areias que formam as dunas... Te amo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O Meu Amor Também

Qualquer passagem em que tivermos no coração algo além de sangue, vale a pena ser lembrada. O futuro é agora, e parece clichê dizer isso - porém isso que escrevo já é passado. Mas o passado pode ser ordinário ou simplesmente extraordinário, o que não depende  somente de nós, e sim de toda a válvula propulsora do tempo e espaço, soltos além da imaginação. Andar o caminho árduo da vida pode não ser simples, mas pode ser totalmente agradável se tivermos a capacidade de aceitar mais facilmente as coisas que realmente importam. Tenho gostos que não saem da minha boca, cheiros espalhados pelo quarto; marcas na pele e lembranças, as mais belas, tatuadas na memória. Tenho apresso por tudo isso e um carinho rasgado como folhas dispersadas do nosso diário secreto, deletadas para que ninguém descubra nosso segredo. Estar nesse "estado" é algo que não se pode escrever nem desenhar; não é mimese, nem tem como calcular o valor que tem, nem a moeda que pesa. Mas provoca prazer quase imediato só de pensar, e quando tem-se nas mãos o mundo em uma pessoa, sabemos que este é o caminho que sempre sonhamos em seguir. Não estar sozinho na incansável busca pelo sentido da vida é encontrar esse sentido num sorriso sem igual, numa palavra simples de carinho, num elogio verdadeiro de amizade. Encontrar a saída do labirinto da solidão em teus lábios foi de longe, o melhor que já aconteceu e, sem esperar nada em troca, deixamo-nos levar no balé do amor, onde dançamos juntos cada canção. E que cada música dure um ano, e que o álbum completo seja do tamanho da obra de Chico Buarque de Holanda.


"O meu amor tem um jeito manso que é só seu, que roubo os meus sentidos, viola os meu ouvidos contando os segredos lindos, indecentes... Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz." 
O Meu Amor, Chico Buarque de Holanda

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Mimese Duplicada

Era um menino estranho, não estava sempre na linha de frente das brincadeiras de criança. Tinha sempre uns assuntos perdidos, como se não entendesse o que se passava com a rapidez das coisas ao seu redor. Contudo, era um menino acima da média na escola, e não dava muito trabalho por não ser muito danado. O único estranhismo causado aos pais era o fato dele comentar sobre um amigo que eles nunca viam: por vezes, o garoto não podia ir almoçar com eles, nem pegar carona para voltar da aula. Nem telefone em casa tinha, para que os pais viessem a convidar a família do tão falado Mirrorildo para um jantar. Pois bem, como nenhum transtorno lhes causava, a função de omissão exercia papel maior, e os pais até permitiam que o menino dormisse na casa do misterioso amigo. Algo que nunca acontecera, pois sempre havia um motivo maior que não possibilitava esse fato. O menino era do tipo falador: conversava por horas sobre um mesmo assunto, principalmente se ele não dominasse o conteúdo. Ele tinha forte necessidade de mostrar algo aos outros, e quando ele não dominava o assunto, usava daquelas frases prontas que encontramos nas redes sociais ou mesmo nas figurinhas dos chicletes. Tinha pra ele que, pouco importavam os outros: ele tinha Mirrorildo, seu fiel amigo que era tão parecido com ele... Mas tinha um segredo que o menino escondia de tudo e de todos. Algo que mudaria sua vida. Se amigo não frequentava a escola, nem tinha uma casa ou uma família: ele só existia para o menino. Era um alter-ego, um amigo imaginário e as vezes, um grande aliado. Nos últimos tempos Mirrorildo tinha proposto ao menino três desafios, com a promessa de que ele apareceria para todos caso cumprise-as; alegando também que estava muito doente. O menino, sem duvidar topou, pois sempre era motivo de chacota quando falava de seu amigo que ninguém jamais via.
Mirrorildo sempre aparecia ao cair da noite, e nos últimos dias, vinha acorda-lo enquanto dormia, altas horas da madrugada. Na primeira noite ele o propôs que roubasse os pêssegos do bolo de aniversário de sua irmã, que faria uma festa no dia seguinte. Não pareceu ao menino algo tão arriscado, pois seus pais dormiam no outro andar e sua irmã, mais nova que ele, não acordaria em meio a madrugada. Porém, para o mesmo, seu amigo secreto exigiu que eles fossem retirados do bolo com uma faca de estrebuchar porcos, que ficava nos fundos da casa. Entendendo o plano, o menino pôs-se a andar levemente até chegar ao fundos da casa, e sorrateiramente pegou a faca, quase do tamanho de seu antebraço e seguiu para a cozinha. Caminho livre, o jovem abriu a geladeira e começou a retirar as frutas, uma a uma do bolo confeitado milimetricamente, quando ouviu um barulho próximo a geladeira. Olhou ao redor e não viu nada, então tratou de retirar logo os pêssegos e voltar ao quarto; porém por displicência o menino esquecera a faca suja junto ao bolo. Ao retornar ao quarto, Mirrorildo parecia em êxtase com a cena: o menino com o coração pela boca, mãos sujas de glacê e um monte de pêssegos a serem comidos. Propôs então, como segundo desafio - e pelo êxito no primeiro - que ele comesse todas as frutas imediatamente, até porque eram provas do seu mau feito. O menino assim fez, e num súbito voltou a dormir.
No dia seguinte os barulhos na casa e o choro de menina era insuportáveis logo pela manhã. Imaginou então que, já haviam visto o que acontecera. Desceu então o rapaz sagaz, com mochila nas costas, como se fosse sair para algum lugar aleatório. Ao chegar na cozinha deparou com uma cena que não esperava: sua irmã ensaguentada no colo de sua mãe, que além de cuidar dos ferimentos ainda brigava com a pequena, culpando-a pelo estrago no bolo. A faca caíra na perna da menina, causando um grande corte. Pois bem, pensou o menino - "dessa estou livre" - e ansiou pelo fim do dia, na expectativa que Mirrorildo voltasse. Passaram cinco dias e nada dele aparecer. O menino andava amínguo pelos cantos da casa, e seus pais já não sabiam mais o que fazer. Foram até o colégio e descobriram que, tal rapaz, nunca estudara naquela escola e nem em nenhuma do estado. Preocupados, resolvem voltar para casa, mas quando chegam, tarde demais: o menino havia saído e deixado um bilhete.

"Fui embora com Mirrorildo. Ele é o único que me compreende e vocês não acreditam nele, foram entrega-lo para a direção da escola por que não gostam dele. Mas volto, assim que ele puder se mostrar para todos. Ele está muito doente, eu preciso ajuda-lo. Os pêssegos eram parte do remédio. "

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- Era tarde da noite e eu não sabia por onde andava, Só sei que ao meu lado seu vulto me confortava por ser meu único amigo em vida. Prometeu-me que voltaríamos assim que eu cumprisse a terceira prova, portanto eu tinha ainda chance de mostrar a todos o quanto tu eras real. Percebi nesse momento que era muito parecido comigo: Olhos, cor dos cabelos, formato do  rosto. Era na verdade, idêntico, e isso me soava um tanto quanto narcísico, como numa história antiga que meu avô me contou dias antes de morrer. Foi então que num espelho d'água no parque você me pediu que olhasse a minha própria imagem e disse que eu era o seu reflexo. Mas eu pensei: não seria ele o meu reflexo? Talvez Mirrorildo refletisse um garoto de dezesseis anos, tratado até então como uma criança tola, inclusive totalmente comandado por seu único suposto amigo. Resolvi que isso deveria ter um fim, e se Mirrorildo só existia por minha existência e vice e versa, que não teria mais sentido continuar essa caminhada. Peguei a mesma faca da primeira prova e, antes mesmo que ele me disseste que essa seria a última, cravei com toda a força em meu corpo fraco e magro. Agora eu sentia e via toda a verdade, e que de tons de vermelho eram feitas as luzes que cercavam o lago sujo no qual eu caia lentamente, manchando de rubro tudo ao redor. Senti uma dor descomunal e chamei seu nome três vezes, na esperança que desfizesse tudo aquilo: em vão. Você aparece mais real que nunca, no fundo do lago, a se aproximar... Vi os cavaleiros enunciados no livro cristão e o mar de gente morta; vi as pestes tomarem conta do planalto e também a terra ser engolida por caos e destruição. Achei então que minha vida havia sido desperdiçada. Logo, entendi que não. Eu era a minha face inexistente no espelho da eterna melancolia. Morrer é melhor que viver eternamente sozinho consigo mesmo.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Compassos

Nada pode tirar o que eu tenho de melhor. A tristeza é só vontade de que tudo fosse um mínimo diferente... Não espero muito mais das coisas, só espero o melhor daquilo e de quem me faz bem, o resto é só poeira da cidade: uma chuva leve, vai embora... E quando passa a tormenta as chances de verdejar são maiores. Sei que tem pessoas que são sozinhas demais, e isso não tem cura porquê advém do coração delas. Estou acostumado com o fato de não ser reconhecido pelas coisas que faço dentro da minha casa - até reprimido, muitas vezes - e ser bem visto em outros lares. O erro pode estar em mim, nas formas e cores quais vejo tudo ao meu redor. Mas talvez não seja assim, e eu tenha alguma chance de mudar o meu caminho. Hoje tenho uma mão que se estende e ergue um sorriso largo quando estas comigo, e que toma conta da minha mente como ninguém. Sou, desde que te conheci, metade de mim; a outra parte reside contigo. E talvez eu, mesmo assim, espere demais. E talvez, a chuva logo passe e o Sol se abra, pois nem tudo floresce nas águas. Eu sei caminhar por aqui, mas meus pés estão cansados das brasas e querem teus braços... A embrasar-me.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Perfume

Recentemente, Giulio tem andando demais. Ele conta cada cédula mais de uma vez, como se o tempo lhe faltasse as moedas. E estes cobres não serviam como alimento daquilo que ele mais esperava de tudo: o amor. Giulio nem deveria se preocupar com isso, pois qual mulher não amaria este homem tão pomposo? Rico, bem sucedido e aparentado; com bens e imóveis... Tudo o que poderia agradar a Gregos e Troianos. E aliás, é como um Cavalo de Tróia que as coisas se desenvolviam ao redor deste homem, que tudo tinha, mas o que mais queria não podia comprar. Giulio tentou apaixonar-se por mulher ricas, por pobres, por camponesas e donas de bar; nada adiantara. Encontrou seu amor numa rua pequenina numa satélite perdida, enquanto fazia uma entrega à uma jovem que por nome, chamavam-na de Jasmim. E nos olhos desta viu que deveria mudar: ter mais e ser mais. Porém Jasmim nada disso compreendia nem queria, restando-na apenas esperar por dias melhores enquanto regava seu valoroso jardim de petúnias. Então, ao entregar o pacote o jovem Giulio não resistiu a perguntar se ela sentira o mesmo que ele ao pousar sobre densos olhos azuis tal olhar. A jovem assustada, sem saber de onde vinha aquela sensação se atordoou, deixando cair por vezes o pacote ao chão, e em outras vezes, a pequena colher que esculturava as formas das plantas. Adentrou a casa maltrapilha e disse ao jovem rico - de olhar então enamorado - que ela era das flores e não dos frutos; que ela era das sementes e não dos caules. Que toda aquela ostentação de nada valia, se o que ela sentia no coração não era de mesmo valor. Giulio questionou o porque desta negativa tão enigmática, e então decidiu mudar seu rumo. Enquanto isso Jasmim, com cheiro e pele de flor, negara o amor mais uma vez, em todas as possibilidades que o vil metal a oferecera. Era uma mulher de sorte.

domingo, 14 de novembro de 2010

Catarse

Chegaste cansado à casa-cúmplice, e eu de fato já sabia que precisava descansar. Permiti então que a cama servisse de abrigo para o corpo cansado e ao lado fiquei, observando o seu semblante quase ingênuo ao dormir. Afagava por vezes seus cabelos, com cuidado para que nada mais, além dos ruídos externos, te tirassem aqueles poucos minutos de descanso. Na hora certa, murmurei baixinho algumas palavras doces ao seu ouvido, e com um beijo te acordei para que viesse ao encontro do meu corpo, que desejava o teu como um louco. Aliás, loucura essa que nos dava arrepios intensos e infinitos; que embebia tudo ao redor com nosso calor e prazer únicos. Era um dia atípico em nosso quarto-castelo, e de leve a chuva na cidade faixa-verde fazia o quebra silêncio justo aos mortais. Um filme, um vinho, uvas, chocolate e amor. Mais uma vez nossos corpos não resistiam - e nem precisavam resistir - e se entregavam confiantes de que esse era nosso momento. O dito momento fez-se horas, como num relógio dos sem-amor, que passa o tempo mais rápido quando estamos juntos. Um belo jantar, palavras de amor e carinho novamente sob os lençóis. Era a mágica dos sentidos mais aguçados: paladar, pele, corpo, mente e alma. Saíste cansado da casa-cúmplice, mas revigorado, como suas próprias palavras me disseram ao se despedir no portão, enquanto devagar o sono vinha me envolver sem esquecer, nunca, mais um dia perfeito se fechar, para que outro venha. Eu amo e sou amado, e isso basta para colocar a cabeça no travesseiro e dizer a todos: boa noite.

sábado, 13 de novembro de 2010

Canções a Quem?

Eu não escrevo pra você, e nem pra trazer nenhuma angústia. Eu só me reinvento, me desdenho e me deixo levar, como Desdemona perdida num mar, sem cais. Entretanto sou essa mesma luz. Cada um de nós sabe o que é e o que faz, sem decidir invadir por proeza esse barco lento, e deixar o bucolismo de lado pelo azul-passagem. Nada e nadar são atuações simplórias do ser, intérprete de cada movimento como um relógio solar.
Outrora pensei eu ser um personagem dúbio, como um Fausto. Mas nem tudo que se escolhe se vive intensamente, nem tudo que se plaina se corrige exatamente como deveria, no entrecorte de um exército falido, em queda suspensa pelo ar da dualidade universal. Entretanto sou essa verdade universal. Mas agora paira sobre a mente que jaz inerte uma dúvida: sou eu este ser duplo, ou escrevo por vontade maior, mentiras ousadas do ser eu?
Caminho neste mar como o filho do criador dos Cristãos, e, eu, posso fazer isso, sem sombra de qualquer dívida, nem a mim nem a outrem. Não devo mais nada, não devo voltar, não devo pecar, não devo morrer nem pagar nada e nem por nada, sou ser invólucro na casca-mãe da água, neste oceano de canções a ninguém. E eu não escrevo pra ninguém. Escrevo pelo que deixo sobrar no meu coração, pelo que deixo assombrar minha razão, pelo que deixo engasgar em minha garganta, pelo que desejo encontrar no dia em que voltar para aquela nau de solstício, para a casa branda que eu cavei para enterrar tudo que sobrou. Quem sabe um dia eu escreverei para mim.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mulher Sem Razão

Moça pura ela não era, descia a rua maltratada, vestida de pouco pano carmim, onde as escadarias da boate suja eram seu descansa-pés. Era um beco qualquer da quadra três do setor comercial sul, junto a lixo, homens grosseiros e bêbados e alguns magros travestis. A viela servia para tudo: cama, sofá, mesa, lixeira, restaurante, motel e muitas vezes, hospital. Sim, era ali que se curavam os males da vida urbana no subúrbio da Capital Federal; em contrapeso, criava-se uma zona livre, para rapazes e moças de qualquer tipo encontrarem diversão. Claro que, somente os piores tipos procuravam Berta, a ruiva. A puta era das mais estragadas: cabelos estragados, boca alargada, cicatrizes no joelho e um aspecto de bêbada sempre. Berta, a ruiva, tinha alguns atributos físicos: seios e quadris avantajados, que despertavam o interesse de caminhoneiros aventureiros e outros tipos perdidos que procuram sexo fácil na noite. Porém, ela era esperta: sabia o que o cliente queria, fazia as "vezes da casa" sem frescura. Era profissional - se assim pode ser denominada, e como todas do ramo, uma sonhadora de dias melhores. Um dia Berta saiu com um rapaz atípico; pensou ela ser esse momento especial. Prazer ela só tinha assim: quando idealizava que aquele trabalho seria uma extensão da felicidade. Imaginava lençóis brancos, limpos e perfumados ao invés do cheiro de lixo da rua. Em suas visões, flores e um jantar lhe eram servidos, e o homem que lhe possuía como um animal delicadamente tirava sua roupa, trazendo a tona uma pele alva. Esse jovem estranho era assim: branco, alto, olhos claros; porém semblante pesado, tímido e apático, como quem não tem outra opção. Berta tentou falar algo, mas como todos os outros seu assunto era o valor, o que ela faria e quanto tempo duraria. Ao menos algo de belo este tinha, e não fedia como os outros que por ventura a estapeavam por mero desejo agressivo. Pensou que este ser seria seu príncipe salvador, mas quando viu, ele já estava sobre ela como um cão sobre a carne, e de calças arreadas numa rapidez juvenil, tivera um prazer fugaz. O jovem arregalou os olhos para a puta, que sem entender tentou tocar-lhe a face como num gesto de sutileza. Porém, já era tarde demais: uma faca rasgava as entranhas de Berta, e todo aquele líquido vermelho e denso se espalhava pelo resto de pele e roupa. O jovem correu, num olhar de estranho deleite, enquanto Berta, a ruiva, se lembrava do que sua mãe sempre falava dos homens - "Um dia, se nos entregarmos totalmente de corpo e alma eles acabam por nos dominando por completo e fazendo de nós o que bem querem. Assim, nos acabam, nos matam e maltratam, como faca em carne crua" - e pensou que talvez, num outro momento, ela sempre desejara isso. Mas neste dia, em que as vestes embeberam-se do fluido quente, os alicerces desabaram e fizeram dum príncipe e seu cavalo, o redentor da meretriz sem esquina.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um homem e suas três faces

A  primeira nasceu torta como um tronco de cor da terra, largado no mundo como vento em ruas sem esquina. Saiu de casa aos doze: Para a tia, um desgosto. Para a avó, um encosto. Para a mãe, um qualquer, sem pai, sem lar, sem ninguém. Quando aos quinze descobriu a masculinidade, usou da virilidade para apanhar meia dúzia de meninas indefesas, que suspiravam longos ares pelo jovem de cabelos escuros e aparência vivida. Estudar ele não queria; na verdade, pensava o sagaz, não precisar; sua lábia era arma poderosa e ele desde cedo soube usar à seu favor. 

A segunda começou aos dezoito. Trabalhava com nada, mas ganhava dinheiro fácil. Usava do poder de sedução e de seu falo para ganhar o que queria, materialmente falando. Drogas, sexo, hotéis; mulheres, qualquer uma, o que quizessem, ele fazia. Rodas de samba? Estava lá. Conic? Sua presença era certa. De peito aberto, colares amaranhados e um cigarro na boca de traços latinos andava nas farras até os vinte e poucos anos.

A terceira veio com a queda. Quando falo de queda, digo de tudo que desmoronou ao redor do homem das três faces. Caiu seu cabelo; aos poucos só o álcool o fazia dormir. O cigarro o causava uma tosse temerosa, a qual ele culpava o clima seco da cidade em maio, que não mais passaria. Algumas feridas, corpo sujo, doenças malcuidadas; pele desgastada, organismo deteriorado. Lembrou de procurar sua mãe: Ela o escarrou. A tia, viajou e não deixou endereço; a avó, morreu de hipertensão. Resta a ele a lembrança do que é, do que ja foi e do que um dia chegou a ser. Nunca fora nada.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Esfinge

Todo o tempo que eu passar a decifrar teus códigos será pouco, pois cada minuto ao teu lado me rende momentos infinitos. Do que me vale dez horas se estou sem você ao meu lado? Prefiro dez minutos contigo a me acompanhar. Tudo o que sabemos é experiência do que se vive numa vida perdida, porém com um caminho decidido: Estar sempre ao lado de quem se ama. Seguir os anseios é viver tudo isso sempre; escapando, contornando, desejando mais, fazendo mais... Todo toque do seu corpo no meu me arrepia e excita todos os meus sentidos: Os naturais e os animais. O desejo é que morda-me escarnecidamente e leve contigo, para que tenha sempre um pedaço físico meu e eu, uma marca além daquela que tatuou no meu coração. Desejo-te de forma que aqui faltam me palavras para compl...

O dia em que fui embora

... Hoje os galhos da vegetação-cerrado outrora apática, em frente ao nosso apartamento, fez-se braços como se me chamasse em vão. Ora, não deveria ser assim: Aqui estão meus tesouros e meu prêmio maior; meus livros, um pouco de vinho alheio para os dias frios e você, meu maior troféu. Ultimamente tenho notado que seus olhos não me passam a mesma segurança, que não tem o mesmo brilho. Era tudo tão mais forte quando nos conhecemos e compramos, juntos, os gatos e o peixe; quando aquele cheiro de mato entrava pela casa-aérea da grama cortada na entrequadra em dia de leve chuva. Esse nosso pequeno quadrado já foi infinitamente maior, mais confortável para dois corações quando eles eram um só. Aqui jaz, moribunda, as violetas que minha mãe te deu e que eu sei que você nunca gostou. Direito teu, pois de plantas eu também mau entendia; me valia o gesto simples que nos últimos dias, me cobraste com tamanha dor e dureza. Vis metais não nos valiam todo o tempo dado um ao outro, era pouco e o bastante; mas hoje o dinheiro também nos parecia faltar. Você não estava interessada em negociar o espaço ao seu lado com esse divagador, que as vezes perdia horas formulando um verso sem noção de tempo ou espaço; sem querer te causar transtorno. Mas também o silêncio de cansava; também a cumplicidade se desgastara. Agora que ouço sua voz rouca e me pedir, nesta noite fria que vá embora penso melhor sobre que tipo de homem eu sou: Mochila simples, tenis no pé, cabelos desgrenhados e muitos sonhos nas costas. Pareço ter acordado de um deles e não ser um sonho bom; pareço agora dividir as coisas que giram ao meu redor com os papéis que me sobravam e o casaco que ganhei de tua avó. Quis que ficasse com o vinho e te aquecesse os pés com aquelas velhas pantufas, mesmo que só lhes sirvam hoje para fazer volume no seu lixo. Pela primeira vez entendo o que se passa quando essa chuva toda para e paira, sobre os olhos de quem sente o amor te fechando as portas do castelo de areia. Deixarei meu olhar despercebido para que um dia, se quiseres, num piscar eu volte para busca-lo.

domingo, 7 de novembro de 2010

A Retórica e a Flor Morta


Calou-se o jovem, debruçando-se sobre a alcova que aos olhos, já lhe parecia embebido de sangue e sono. Calei-me apenas porque subitamente afoguei-me e adentrei as margens dos meus próprios devaneios, e, quando emergiste, havia dentro a má sorte, uma caveira e dois dedos de rum num copo empoeirado. Repentinamente, ouço o breve tilintar de sinos. Acendo um charuto e deleito-me do incontido prazer que dele emana, e clama por meus lábios. Eu, exasperado, sento na cadeira revestida de veludo vermelho, antiga como esse desejo infame que, deposto, já corrompe alma e corpo. O perfume que sinto é enigmático... Aos poucos o quarto que me envolve está opaco, e a fumaça interpõe-se no ambiente, onde a sutileza das vestes despidas há momentos atrás me deixam, por segundos, sóbrio: sou mundano e caído, como anjo de asas tortas, desafiando as entrecortadas linhas da vida, do amor e da vergonha. Aos poucos a lucidez penetra uma das caveiras que nesse quarto estão: a minha. E o meu sangue torna a almejar o restante do álcool, elixir da imortalidade. Rum, o lugar, o palco, o espaço onde a criatividade cria asas, e o anjo decaído pode voar. Porém a fumaça do tabaco emaltado me suspende para algum lugar onde vejo minha imagem cedida neste lugar, como um saltimbanco. É nessa imagem mentirosa que escondo de mim a minha verdade, e com as asas de cera subirei aos céus três vezes, à espera de um beijo seu, para matar a minha vontade de voltar a ser o melhor ser: Eu.

sábado, 6 de novembro de 2010

A volta do que eu mandei embora

Eu peneirava o Sol com os dedos, enquanto de leve ouvia a calha cheia d'água jorrar como cachoeira suspensa, no meu jardim que não existia. Sim, uma vez fora um jardim que outrora teve folhagens; outrora cresceram flores. Embrulhei mais uma vez os livros da mesa de centro, pensando em novamente devolve-los a ti. Já não me pertencia nada que viesse de ti, não conjugávamos mais o mesmo verbo, nem víamos as cores com o mesmo prisma. Então devolver as coisas suas - que já foram minhas-tuas - era um dever em prática, algo que não demoraria a acontecer. Ensaiei em frente aos amontoados de papel, que por vezes você leu e releu enquanto eu degustava um bom vinho. Vinho este que, também te devolvo, aquela meia garrafa que seu avô nos deu; pois afinal, era pra ser nosso e não somos mais um do outro. Teatrei cada movimento, cada palavra muda a ser espelhadamente dita; e sabia o que você iria responder de fato: Que não devolvesse nada, que te fizesse meu de novo. Mas juntei meus saltos - alguns inteiros, outros quebrados - e guardei naquela caixa com a estampa da Torre de TV que você me presenteou no nosso primeiro ano juntos, em frente ao Lago Paranoá. Neste quarto-e-sala tudo era mais bonito; e hoje beijo sozinha a xícara de natal, com o boneco de neve entalhado entre flocos e vermelho intenso. As pantufas, você deixou para mim, pois não gostava que eu pisasse no chão frio quando mesmo no frio da madrugada, decidi que era melhor para nós dois que deixasse nosso lar. Deixasse os gatos, levasse o peixe; deixasse os livros que nunca li, levasse a televisão. Agora amontoo os livros para devolver-te sem querer, pois eles ainda completam minha estante e volta e meia, noite e dia, acompanham meu sono na cama vazia. As toalhas ainda tem seu cheiro; levaste as minhas e deixaste as tuas, como com um propósito maquiavélico de retorno. Afinal, qual era nosso crime e qual seria nossa punição? A minha eu já sei: Ouvir a calha entupida derramar essa água quase que dentro dos meus olhos, para que lave tudo o que eu um dia esperei de ti. Resta então, deixar o Sol fluir e secar cada gota como se fosse um suspiro seu de retorno.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Alameda do Infinito

E todo o céu deixara de ser azul turquesa, deixava o mar aéreo escapar de nossos olhos simples e singelos que apenas enxergavam as coisas e as cores, embebidos de cansaço e sono. O que era anil em negro se manifestava, com água que caía e nuvens tensas que formavam esfumaçados panteõs acima de nossas cabeças. Pouco importava o que acontecia ao redor: A cidade posava para nós intacta, como reflexo dos sentidos e das tênues linhas de distorção entre o concreto e o metal, entre vidros espelhados e trabalhadores assalariados. O devaneio todo consistiu em procurar razão e satisfação na beleza daquela alameda singela e afogada, onde víamos de longe as flores em tons róseos que envaidecem qualquer pensador. E a água insistia em cair devagar, molhando mãos, capas, folhas, cabelos e gestos, todos impensados, todos naturais como a natureza que deveras, em meio a tantos prédios de importância muitas vezes passa esquecida. A certeza total é que esse tempo é novo, começou em poucos momentos, porém, cada momento parece que nunca mais voltará. E não voltará mesmo, pois as coisas ao nosso redor são ilúcidas e atemporais, mesmo em meio a temporais, não correm como rio para o mar, perdem-se no ar como as penugens dos pássaros do Planalto Central. As sementes das sâmaras que rodopiam; os inusitados gramados esverdeados nas entre quadras; as poças mágicas d'água que refletem as histórias, problemas e sonhos dos cidadãos que os pisam; as flores amareladas da vegetação que a pouco tempo, ainda se escondia entre a poeira e a seca central. É tempo de todas elas se mostrarem, e com esse desejo, vem o nosso de nos escondermos menos. Façamos como prédios e sejamos imponentes, acessíveis para quem merece; façamos como as flores e sejamos belos, para quem as enxerga; façamos como as gotas de chuva pesadas que caem deste céu de Novembro, trazendo a renovação daquilo que nem todos acreditam ser uma realidade. É real, é intenso: Somos filhos da cidade-concreto, mas somos de carne. Somos filhos da cidade-cinza, mas não há mais frio em nossos corações.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Samba para o Sono

"Vou indo

Porque minha barca amanhã sai cedo, antes das sete;
E meu tamborim pode não soar caso eu me tarde aqui contigo;
Não que não seja esse o desejo,
Das carnes e das mentes
Mas é o sono latente,
Em mesa passada,
Que me leva para a cama
Como vadia barata,
A me estontear.
Mas se acaso passar por minha janela,
Ou no meu sonho devaneio
Em meio ao calor dos cobres
Procurarei teu canto,
E te embrenharei aqui comigo
No ninho,
Até o dia amanhecer."

Extraordinarizar

Sou um homem de vida sem razões. Não sei por que o Sol aquece, por que as nuvens flutuam, por que o sândalo perfuma... Só sei que faço as coisas acontecerem ao meu redor. Muitas pessoas não conseguem ser elas mesmas, com reflexos atordoados num espelho em itálico, onde a sinuosidade permite ao ser ser serpente ou ave. Alguns simplesmente vivem uma vida ordinária. Outros quereriam ser extraordinários. Eu simplesmente quero ser simples, viver minha vida e ter algum reconhecimento. Os homens que se preocupam com suas vestes mais que com seu intelecto estão condenados a viver uma vida medíocre. E não falo de dinheiro, pois este não entra nas discussões filosóficas vitais, apenas discursa como algo essencial para obter quaisquer êxito. Ter muitos bens não é defeito, mas minha nobreza está em ter o bastante para fazer tudo o que eu desejo. Meu desejo hoje é duplo, é em dupla; uma dupla que quando unida, tornar-se-á somente um ser. Eu sou esse homem que cavalga pelas ruas arcaicas das cidades-cinza, entre faixa-verdes e monumentos de concreto a te esperar. Acho que sempre esperei um momento destes. Sinto como se vivesse a catarse da vida, onde o melhor dela encontra-se em estarmos bem e juntos. Lutarei pelo vil metal que paga nossos luxos, que cobre nossas dívidas. Mas não passarei por cima do que eu tenho de melhor e penso ser mais importante: Meu desejo, minha honra e meu amor.

"Um homem pode ser qualquer homem, ou um homem único em qualquer lugar. Escolha seu caminho de acordo com os seus maiores sentidos."

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Parada

E então, de solidão absurda fez-se aquela parada molhada e fria, enquanto o céu chorava o que eu já não precisava mais chorar. E parecia estar predestinado a dar tudo errado quando nem de ti eu me despedi, saindo sem poder dizer o quanto eu te amava em poucas palavras. O meu patamar atual era de esquecimento; este era um dos maiores troféus que eu havia recebido esta noite, fora as suas palavras de sinceras desculpas e de amor. Ao menos as palavras engasgadas foram arrancadas e, os olhos que marejavam, após as ondas, tornar-se-ão tempestade. Enfim, sem condução meus pés andaram, e eu andei até longe; enquanto aquela água lava-almas me tornava ainda mais diminuto. Tive medo, tive medos, tive mais entre os dedos; tive menos. Lembrei do teu semblante infantil a me encantar; lembrei do seu olhar a penetrar e limpar tudo dentro de mim. Enquanto a chuva caía, eu deglutia palavras em branco, versos alheios, e memórias intactas. Enquanto eu esperei na parada distante tu eras a voz no outro a me acalentar. E deveras, sabia o que falar. E o tempo, este, não passava. E a água-mãe não calava. Maturamos o amor, semeamos o que já se decidia nas entrelinhas: Este, mesmo que a chuva desabe tetos, não passará. Este mora dentro dos nossos peitos, nos corações-casas, seguro como poros, como aquilo que desejamos ter a cada estação. Terei-te para sempre, por que somos únicos.