domingo, 29 de maio de 2011

Aos Três: Pecados - Parte 1


Certeza. Essa minha mulher era louca. Simplesmente não sei o que aconteceu em cada folhagem que ela cortava do jardim inerte, perdido entre cortes de tecido vulgar pendurados no varal e um cheiro estranho de comida que vinha da cozinha, sempre milimetricamente limpa. Desde que Andréia se foi, há dez anos atrás, ela cuida de minha casa como tal. Minha antiga esposa morreu num acidente de carro, numa fase onde eu já não tinha grandes amores por ela. Quem mais sofreu foi João, meu filho, que na época tinha cinco anos, completando quinze essa semana. Porém Flávia é muito dedicada como segunda mãe: se preocupa com horários, com carinho, banho e tudo mais. João desenvolveu um apego por ela que me faz feliz, pois dá gosto de ver a forma que o menino trata a mulher. Deveras, ela é uma bela mulher e qualquer homem quereria tê-la por perto, sem sequer saber de todos os seus dotes. E sua loucura, claro.
Flávia volta e meia reclamava de dores durante o sexo. Tudo bem, não vou negar que ela me dizer que estava sentindo dor por que meu órgão é grande demais me engrandecia. Aí que eu metia mais forte, sem dó. Mulheres foram feitas para aguentarem essas coisas, é da anatomia delas. Ultimamente nada mais falava, somente atendia meus desejos. Uma mulher com todos os atributos que um homem pode desejar, e ainda acostumada com meu jeito as vezes, rápido ou rude. Ela gostava disso, via em seu rosto. Outrora, me preocupava se não fazíamos muito barulho: não tínhamos mais criança em casa, João já era um quase homem. Alto e forte, parecido com o avô, meu pai; mas os olhos e cabelos da mãe. Um rapaz bem aparentado, iria ser um homem bem sucedido.
Estranhei no dia em que cheguei em casa e Flávia não estava. Sobre a comida um bilhete, dizendo que estava precisando de se purificar na igreja pois se sentia tentada pelo demônio a cometer um crime. Achei tudo aquilo exagerado em demasia, nem me importei. João já estava dormindo, então jantei e fui deitar. Flávia devia estar assistindo televisão demais, e esses canais baratos sempre falam baboseiras e exageros cristãos. Não que eu não temesse, mas acho que esse interesse no Diabo faz com que ele esteja sempre mais por perto. Prefiro me concentrar no futebol, uma cerveja; meu jantar e cama – sozinho, e ir dormir. Sempre mais interessante. Um homem sabe se resolver sozinho quando a sua mulher precisa de um tempo.
Voltara tarde da noite, como sorrateiramente caminhara até a cama em poucos dedos. Longe, ouvi barulho no banheiro de João e pensei: meu moleque vendo alguma pornografia até essa hora e minha mulher na igreja, chegando com cheiro de flores no quarto. No mínimo alguma flor de velório que por ventura aventurava-se ela, entre as ladainhas e o louvor. Estava achando tudo aquilo muito bom, até por que não poderia ser diferente. Foi aí que algo me causou estranhismo: a mulher me negara uma trepada, alegando estar cansada. Será que ela está nessas ceitas de sexo só para reprodução? Espero que não, pois quem não tem em casa procura na rua.
Por vezes ia à um bar perto de casa com amigos meus: minha esposa nem sonhava. Eu concordava com o Vasco, grande amigo que sempre dizia - “A bíblia e a igreja são meras alegorias ilustrativas, por isso as mulheres são tão mais engajadas que nós. A elas serve de auto-ajuda e a nós, auto ajuda chama-se punheta que temos que praticar quando elas resolvem que a penitência delas é a nossa abstinência sexual” – e eu pensando, nesse momento, que ontem fui dormir de pau duro por que Flávia me negava fogo. Se bem que, eu tenho a mulher que quiser – por qualquer cinquenta pratas – e sem me pedirem carinho ou reclamarem de nada. Assim, matam minha vontade e não preciso gerar desconforto em minha casa. O sexo representa para os homens oitenta por cento da relação – dos outros vinte, dez são futebol e outros dez trabalho, que é justificado com o cansaço e revigorado no fim-de-semana. Por isso pensei em minha mente que hoje era um bom dia para uma foda na rua, que fosse em meu carro, com uma puta qualquer. Mas antes passaria em casa pra pegar um casaco e o cigarro que esqueci. Então resolvi voltar em casa antes de mais nada.
Cheguei e estacionei na frente sem alarde, de repente Flávia estaria dormindo e poderia questionar meu retorno e saída novamente. Entrei em casa e ouvi apenas o som do quarto de João a tocar “Essa moça ta Diferente” de Chico Buarque. Pensei que realmente estava passando da hora de apresentar ao meu rapaz uma mulher e tirá-lo um pouco dessa vida de livros e música popular brasileira, que ao final quase me soava pederasta, pois a maioria dos cantores que ele ouvia cantava em eu-lírico feminino. E com essa modernidade toda do mundo, será o pior castigo que meu filho fosse viado. Vejo os amigos de escola dele todos com namoradinhas e até no bar que frequento tomando cachaça e se divertindo. João sempre inventava desculpas ao telefone para não sair e ficar estudando, principalmente nos últimos meses. Tenho estranhado pois, na idade ele eu só pensava em comer alguma guria da sala, ou da cidade ou do mundo. Minha mão sofria cinco, seis vezes por dia, e por vezes meus pais me pegaram com a mão na obra. Realmente era a melhor hora de transformá-lo num verdadeiro macho.
Peguei os cigarros e o casaco em meu quarto, e comecei a achar engraçado os sussuros e gemidos que se misturavam ao som do mpbista – de fato algum filme pornô rolando, desses bem sujos e mal feitos. Achei por bem então ligar a luz e chamar por ele, para que não fosse tão constrangedor. Porém de longe reconheci uma peça de roupa atirada ao chão do quarto em meio à cuecas e meias sujas. Era um vestido que havia presenteado Flávia a poucos dias e então a cena a seguir foi a mais grotesca da minha vida: Flávia cavalgava loucamente em cima de João, que comia minha mulher gemendo como um cão. Saí rapidamente do ambiente, pois não podia acreditar que aquele filho de uma puta morta estava comendo a minha mulher – sua madrasta – e ela, uma vagabunda metida a crente fazendo com ele o que comigo nunca havia sequer feito.
Minha mente girava. Eu não pensava em nada a não ser matar aqueles dois vagabundos que estavam a me desonrar. Por um momento entre o gole pesado de rum que tomei desejei que João fosse viado. Ao menos assim resolveria com uma surra e um psiquiatra. Agora teria que resolver à minha maneira, e com todas as balas que puder descarregar do tambor do meu antigo revolver, que sabia eu – um dia – serviria para defender a minha honra. Certeza.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Saudade.


Não sei quanto tempo me resta ainda na corrida da vida - se muito ou pouco - só sei que numa curva qualquer sonho em reencontrar você. Sinto falta de cada detalhe, cada carinho e gestos que só você tem.  Quando eu era pequeno, sentia-me inspirado em tudo o que fazia de bonito: da comida que preparava, dos sonhos que me ajudava a interpretar, das lições de caligrafia... Da forma com que mudava as coisas ao nosso redor e guiava minha vida, passando por cima de tantas outras dificuldades. Hoje eu choro, queria teu colo e dizer tudo de maravilhoso que tem acontecido comigo e como eu queria dividir cada momento desse com você. Você que sempre foi minha representação da sabedoria, meu apoio até no que a maioria julga errado. Você sabe o que eu sou, como eu sou e quem sou eu. Temos muito ainda por fazer e por fazer, mas Mãe, queria muito que estivesse de volta ao lar. Não nesse lar, mas num lar que fosse meu e seu, onde vivêssemos essa louca vida, com todas as dificuldades antigas e as virtudes novas. Te amo absolutamente e dói uma dor tão intensa, que todas as outras dores parecem nunca ter existido. Sei que provavelmente não lerá esse relato, mas quem ler, entenda: tudo o que eu sou devo a ela e ao eu que surgiu, do que ela criou. Minha mãe, minha guia.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Hoje


Há sempre tempo para viver. Cada dia que renascemos - no raiar do Sol - nos preparamos para depois do seu crepúsculo renascer, diariamente. Esse tempo é a incógnita do ser humano, a nossa esfinge pessoal: aquele enigma que pode nos tornar reis do Cadmo ou devolver a infertilidade à terra. Mas todo reinado tem seu custo, e todo custo, seu esforço. O importante é sermos parte desse aglomerado de relevâncias para a vida seja de sementes que virarão árvores. Seja nesse alvorecer ou no próximo, eu existo para ser alguém melhor, para fazer algo a além de respirar. Quero ser maior, e se pensar bem, maior não é pelos outros e sim por nós mesmos. Devemos a cada amanhecer sermos a nossa maior conquista, e o nosso maior ideal. Faça do próximo renascer a sua maior aventura; a sua maior vontade; a sua maior força; o seu maior desejo; o seu melhor sorriso. Hoje mais que ontem, amanhã mais que hoje.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A MpB em Prosa Barata #2 - Lua, Memórias, Verdades.

"Eu só, no apartamento, escrevendo memórias no velho computador.." Vôo de Coração, Ritchie

Tinha - e sempre teremos - sim, uma lua-mor. A mais bela, esta do ciclo lunar, fez-me voar mesmo aqui sentado, nesse quarto semi-vazio, desejando ser preenchido pelo que nosso amor pode causar. Escrevia tudo, num antigo computador empoeirado, o mesmo que reproduzia uma canção em lá maior; lá onde meu coração planava de encontro ao teu. Eu com asas-penas-caneta-cama, sentado meio desajeitado, e essas memórias vagueantes me envolviam como um mistério, o mesmo que sempre entoava sorriso teu à luz do dia, ou da fresta da janela que eu fechei, para que não incomodasse seus visionários. És o homem que pensa em todas as coisas que ao menos, neste momento fazia todo sentido a me fazer rir e entender o quão simples e absoluta pode ser a vida de dois corações que só querem se aventurar livres de quaisquer desdesejo, desdesejando ou mesmo, sequer pensado entrepensamentos pensantes, pesares, pesados ou olhares alheios. As histórias repetem-se novamente sempre, numa velocidade estonteante que não percebemos? Dessa vez, como poucas vezes, vou discordar do poeta da cidade-cinza: é preciso ir além, e ver a singularidade de cada um. A catarse é diferente em cada gesto, e isso depende da óptica que cada um consegue absorver das mímeses retidas em nossos atos, atitudes - autos - enebriando as casas, estas feitas de escolhas; escolas estas que me fizeram este vôo de coração. E eu entrei pela janela mais próxima, invadi teus sonhos e sonhei junto, que acordava ao te lado. Tem que ser diferente o que cada um sente, cada dia - dia valendo viver. As luas não serão nunca iguais, ao menos não no que nos é permitido ver. Eu voltarei a compor duas, três linhas, não mais que isso; e buscarei - ao fundo do que eu chamo de único - o sentimento mais serpenteante e sutil. Este, entregarei em carta salva, lacrada... Ou perdida numa mensagem direta.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Foto e a Ave


Aquela foto amarelou. Era mais uma pobre lembrança esboçada em papel de baixa qualidade, severa; mas sem o ímpeto dos guerreiros gregos, com suas musas e seus soldados bravios, soltos no mar de sangue e arte. Era apenas uma singela foto do dia. Aliás, o dia tem tido meras relevâncias desde que o pássaro se foi. E metalinguístico dizer que eu não verbeio mais como antes, nem ao menos substantivo as coisas com a mesma força indireta? Parece-me muito mais catártico. Enobreço empobrecendo as palavras num vórtex de polém que sentimos um dia desses - "margaridas ou damas da noite" - não importa. Era o doce ao ar, eram damas mas não messalinas e o meu corpo desatinava num querer, além das eternas vias perdidas no canto da ave. Seu cheiro, o que não sai das narinas, é muito melhor e mais sutil: tem a leveza que espero, tem os dias contados na palma da mão e no andar da carruagem. Essa, é uma épica tragédia em três atos simples, mas que nunca serão desvendados por aqueles que não sabem o que é amar e ser amado. Essa epopeia é a vida, e de que vale esta sem amor? Ele une as coisas ao redor da mesa, do mar, do céu, de nós... E lá longe vai novamente a ave. E se você não fotografou, amarelou a tarde praieira no planalto central.