domingo, 31 de outubro de 2010

(Cumpli)cidade

Eu esperei cada passo programado, mas deixei que as coisas acontecessem com fluidez. Me dependurei debruçado na varanda da casa-solidão, prestes a ser preenchida com o que eu tinha certeza de que era o tão falado amor. E assim fez-se tempo e temporal, moldando as nuvens em belo céu e paisagem, onde o verde resolvera aparecer sem mesquinharia. Aqui na cidade faixa-verde, tudo acontece de forma atemporal: Quando estamos juntos, o tempo insiste em brincar de pique-pega. Quando estamos separados, o relógio para. Assim como pairou nos corpos febris o calor do desejo, que matamos com sede de quem sabe exatamente o que o outro espera como resposta corpo-a-corpo. Saímos do patamar de descobertas à tempos, para dar vazão ao título de íntimos. É isso que o corpo dos amantes reais tem que ter: Intimidade, e não se sentir intimidado. Voracidade, e não se sentir acuado. Cumplicidade, e não terrorismo. Todas as formas de amar devem ser relevantes, tem que ter a mesma validade. Se você ama com todas as forças; se faz tudo para que cada pensamento seja de vocês, apreciem um crepúsculo avermelhado na cidade-concreto ou vejam a chuva cair de uma marquise qualquer das comerciais. Sinto-me com asas e voô longe quando você me permite te tocar, enquanto a cidade se cala.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Chuva

E foi assim que passou por nós a fria chuva de um dia onde nada parecia mudar nossos rostos. Havia transcrito uma sábia alegria infantil, onde os corpos presos por amarras sociológicas e culturais não nos permitiam tocar-nos, somente um semblante de fusionismo nos cobria encobrindo as verdades, todas imersas. Cada gota que aquela parada escondia entre os vidros e a agonia do instante que não queria chegar era compensada pelo saber que estava com você. Nem sempre enxerga-se o clarão nas coisas boas, nem sempre o escuro é a solidão. Quando chove fica mais triste esperar, fica mais cinza o concreto da cúpula do Museu da República, e até mesmo o complô efeversivo e linear dos prédios da esplanada. A demência de contar(ou retratar) tudo isso de forma tão clara é justamente o fato de não querer sentir o que sinto hoje ao me lembrar daquele sonho. Tenho tudo ao meu alcance, mas não posso alcançar; não as respostas do por que disso tudo a essa hora da madrugada, mas também não tenho o direito de cobrar. Não quero mais cobrar nada, assim como o céu não cobra as gotas que caem como lágrimas quando as ruas sem esquinas se molham sem volta. Deixarei fluir tudo o que eu sinto ou escondo mais uma vez o que de fato pode parecer mero devaneio meu? Sou essa rosa perdida nos pinheirais, sou esse verde do gramado lavado. Mas em um piscar de olhos torno-me a folha seca e empoeirada da árvore mais rala. Não quero mais ser assim.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Simplesmente...

... Somente um abraço. Somente seu abraço. Senti seus braços, devagar, divagar. Seria apenas querer demais, de um pobre rapaz, sem eira nem beira, ter um troféu tão caro e nobre? Sem ter como pagar, ofereci-te permuta desse sentimento. Solenemente decidimos por escambo. Sem pensar duas vezes, troquei os corações, um pelo outro; um com o outro; misturei as linhas como veias e artérias a bombear os sentidos como sangue, fluido da vida. Salvamos os nossos dizeres numa tarde enquanto o Sol se despedia, e nós nos encontrávamos cada vez mais um no outro, na profundidade dos olhares que falam por si. Serenos deixamos que o Sol se ponha e volte a refletir nas ondas leves, e nas folhas que caem das árvores, sempre.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Devaneio na Cidade

 Cruzou a rua em devaneio o Poeta sem nome, que incansável permeava entre a lucidez e a palidez do ralo raio de Sol a amarelar a face. Urbano, em meio a florestas de concreto, metal, gesso e vidro, caminhava numa daquelas noites subconscientes e sem destino, fugaz como o nascer de uma manhã de verão. A cidade não para, e parecia nem perceber ou sequer se importar com a existência do Poeta, um pouco por sua transparência, um pouco por sua proximidade com as cores da cidade-cinza. Ao menos a brisa era leve, o toque do ar em sua pele parecia trazer um pouco da fertilidade externa, do verde que proliferara desde que as chuvas do dez voltaram, para limpar as folhas secas e molhar de vez todo o piso-estrada. Mesmo a cidade-mãe ignorava-o, mesmo os outros, mesmo aqueles que diziam ser amor, abandonam-no e nessa tarde respingalhada de ilusões o Poeta pensou no por que da existência dele, da arte; da sua arte, do que ele faz; pra quem ele faz? "O Poeta já morreu", pensava desnorteado, entre as buzinas e luzes dos faróis dos carros alheios. E teve medo. E o Poeta, em devaneio, teve medo de que tudo o que ele se esforçara para fazer fosse em vão. "Arte pra quem?"; "Arte, pra que arte?" Faltava hoje na vida do Poeta o combustível da sobrevivência, aquele contado em conta-gotas de pormenores, que ele sempre valorizou como sua melhor quimera; como sua maior criação. Mas quem enganou o poeta que esse combustível estaria disponível pra ele como fonte eterna de sabedoria? Quem disse que ele inventou-o? O Combustível do Poeta não pode ser inventado, e só recebido. Devaneio hoje, perdeu-se sem amor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

120

Revigorado
trazia cravado
no peito, serrilhado,
Uma data
quando a melhor voz,
Do melhor homem,
Te acorda pra te dar bom dia.
Estava frio
quase seco e injusto:
Era fato de logo assim ao abrir-olhos
Não ter seus beijos matinais. 
Mas sabia onde estava tua boca,
E parti na minha Odisseia para terras distantes.
Cavalguei, me perdi
e fiquei faminto, cansei as pernas e
os pés tortuosos me cansaram,
Até recobrar o caminho e pela chuva,
Recobrir o corpo cansado,
E encontrar acalento num banco de madeira molhado,
Cercado de água d'céu,
Com pessoas esfumaçadas a olhar os seus cavalos
e eu sem o meu,
Esperando meu prometido beijo chegar.
Chegou com requintes joviais,
Com sua armadura de aprender,
Em seu rosto sua magia mais forte:
O seu sorriso.
Falaste do meu cheiro,
Falei do que em mim ficou;
Andamos passos juntos, pouco tempo
e a tarde se fechou.
O tocar de lábios tornou-se troféu secreto
mas com vitória garantida,
Esse não é o fim do dia do nobre cavaleiro:
Um dragão-vida ainda é longo
e precisa ser vivido. 


"O maior talento de um homem é o dom de conseguir discernir e assimilar o conhecimento que lhe é oferecido, como uma criança no seu empirismo mais sutil."

domingo, 24 de outubro de 2010

Medo

         Tinha medo dos relâmpagos, dos trovões riscados em céu maciço, forte como escudo de vencedor. Tinha medo das paredes a me prender, do teto que me prensa como uma máquina de moer gente; das janelas abertas, deixando o calor externo entrar. Tenho medo das proezas que contava sem nenhum ouvido a ouvir, e das grandes histórias que aprendi nos livros, sem ninguém a apreciar. Tinha medo do futuro, pois o passado era temor menos insólito e sólido que eu tinha, desde que não me lembrasse do que eu não fazia. Foi eu quem pisei na lama, pra fazer com que o os seus sapatos de matriarca tivessem mais brilho e seus pés, menos dores. Eu me abstive do conforto e das regalias da juventude por terceiros; me calei enquanto a voz ecoava garganta abaixo, enquanto eu era só sonho irreal. 
         Mas eis que hoje vejo a chuva cair sobre minha cabeça e você me estende a mão, me mostrando que ela não é nociva. As paredes foram derrubadas e outras moldadas, lado a lado e sem fechaduras para aqueles que enxergam com os olhos do coração. O teto já não me sufoca mais, nem o Sol me ofusca, quando é você quem abre a minha janela. Meus devaneios, e até aquelas histórias que eu achava que nunca iria contar a ninguém, hoje faz olhos brilharem, e tiram as dúvidas dos que me cercam, com vontade de entender. Os sapatos só se sujam em dois pares, e vivo ainda sem o conforto almejado, mas minha voz pode ser ouvida em qualquer casa que eu quiser e puder entrar. Ouvir suas palavras de conforto e ter tua mão e me tocar, nem que seja por segundos escondidos, me tira os pés do chão; me transporta para outra realidade, muito menos dolorida do que a que antes, era minha verdade. Somos um só tudo.

Círculo-Céu

Eram dois jovens recém-conhecidos embriagados pelo doce desejo de estarem novamente juntos. Andavam e divagavam; passeavam com o céu como tapete, sem conseguir reparar no brilho intenso que as estrelas poderiam ter em tão perto e tão pouco espaço, neutralizando tudo ao seu redor. Avistaram, de longe, um lugar, onde aparentemente poderiam continuar seu ciclo, sem o julgamento alheio e nem a repudia daqueles que ainda não estão preparados para todas as formas de amor. Envolveram-se ali como um ninho e se, não fosse o bastante, estavam agora com a brilhante manta negra sob eles e em seus olhos, já se via o invisível e indivisível arrepio que vinha das almas que se entregam sem requerer nada em troca, somente pelo fato de unirem-se como um só ser.
Passaram então a perceber, como o céu refletia-os sua beleza e as estrelas lhes pareciam sorrir. Entre beijos, sorrisos. Entre toques, palavras. E de repente aquele lugar, antes irreparável e esquecido, agora era altar particular, um reino onde o medo não tem casa. Havia uma estrela especial, e essa lhes virou filosofia, num delírio qualquer, talvez na intenção de que fosse esse reinado tão distante que eles pudessem se entregar, e seus corpos responderiam naturalmente a essas ambições.
Voltaram por vezes, mas poucas, neste lugar. Não por vontade, mas por tempo e por possibilidades, de talvez ser aquele um lugar tão especial que em tempos mais bravios não se avista de longe, sequer o círculo de metal ou os bancos de concreto que sempre os esperam. Voltaram lá recentemente com o amor já prometido e decidido, na cumplicidade que envolve os seres que decidem dedicar parte de sua vida a outro. Nesse momento, parar-se-ia o tempo vadio, que insiste em ser fugaz e escapar dos amantes inabalados. Parariam também tudo ao redor, em promessas que já sem cumprem, em vontades que vão além do que esperavam e tiveram em outros braços.
Dois jovens que, recém-enamorados, respeitam-se e sabem de cada pedra no caminho. E é com essas pedras, cada vez tiradas, que construirão seu castelo. E esse castelo será o reino deles, seu uníssono e desejável morar. E é nesse caminho que surgirão as suas verdades universais, seus desejos e que poderão contar um ao outro, seus sentimentos mais profundos. É com essas verdades que forjarão suas armas de defesa, por que o ataque não é parte da filosofia de quem ama. E nos braços, um do outro, servirão de acalento para seus corações, faça-se o dia solar ou não, e mesmo nas noites quentes de um Setembro que ainda está por vir, fará-se-á o momento em que as flores da primavera virão antes, o frio dos Invernos chegará quando se menos esperar, e, juntos, o calor desejado de um veraneio que jamais se desfará da pele febril, sem enfermidades, mas com a única razão que une dois pensamentos: A vida.

sábado, 23 de outubro de 2010

Simples Cidade

Quem liga para os arquétipos e estereótipos se temos as sementes aladas? Se temos oa mais belo por-do-sol, ruas atualmente esverdeadas e um cinza-solidão único, que não cedemos a ninguém? Dessa nossa cidade, todos reclamam. Os que daqui vieram e os que para aqui vem. Mas ninguém como nós enxerga a beleza nas coisas simples do cerrado, da diversidade de cores, sons e vegetação. E no meio disso tudo, asas às sementes das árvores a aos abraços num só coração.

"No fim das casas haverá portas. E nestas portas, fechaduras. Para poeira, chuva primaveril. Casa fria, calefação. Corpo frio? Amor no coração."

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Um sopro insano,brisa torpe...

... Estava como folha seca sob o lento frio de Junho, onde as águas estavam distantes de cair, onde o passeio era apenas um descampado engalhado de leves tendências, todas armadilhadas como os arquétipos que ainda soldavam as mentes dos que por ventura, cruzavam a rua em U. Sabe-se bem o teor da mente dessas pessoas que que nada me interessavam. Preferia meu patamar de auto-carrasco, meu alforge de ser indescritível para mim mesmo. Mentira, queria amar, se é que isso seria possível. O amor só acontece quando, de fato, soltam-se as amarras, como um Prometeu, liberto de suas correntes com sede de vida. De fato, eu nunca imaginei que num risco qualquer eu encontraria o que toda planta ressequida busca: As chuvas do dez, aquelas que nos trarão mais uma vez o verde e as cores marcadas como batom. Mas e a paixão, onde está? Eu sequer gostaria de me apaixonar. Tudo o que os ventos do passado fizeram como seus furacões arranca-corações não me deixara dúvidas de que eu não tinha esse privilégio. Esse direito, talvez, mas como chegar até ele? Eu pensava que deveria então, beber mais; sorrir e chorar mais. Mas secaram os potes dos olhos abertos e fechados, e as escolhas que forjei com o ferreiro chamado medo. Esse nó de forca que tenho na garganta me tira o ar, quase me suicidando, entre cortando o tempo e espaço do que sou eu e do que poderia ser você. Você eu miméticamente idealizo, ponho e tiro defeitos; arrumo confusões, pendências, broncas. Talvez por que esse você não seja o você que eu busco. Esse eu-você, talvez não exista. Mas eu sei que posso voar ainda, mesmo sem asas. Eu quero ir além das estradas marcadas, inférteis e de terra insólita. Eu serei homem, pássaro e semente.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Decifra-me

- Por que me perguntas coisas tão simples, se de fato tenho muito mais a oferecer-te?
- Por que as pequenas coisas são as relíquias do coração, aquelas mais sutis que adentram nosso sono e nos faz refletir.


- Ficará sempre comigo?
- O sempre não nos cabe, mas a eternidade pode ser medida no que faz acender o fogo do nosso amor e do carinho que prezo no brilho dos teus olhos.


- Será que todas as vezes que quisermos ficar a sós, o mundo parecerá nos observar?
- Um dia desses teremos nosso altar, um lugar sob a luz das estrelas, cadentes ou não, mas que transformará aquela noite mais uma vez na melhor noite.


- O que eu sou pra você?
- É para mim como um sopro de vida, como o fogo roubado, como desejo de Eco por Narciso: Parecia impossível que me ouvistes, mas mesmo usando de minha vida, fiz real meu desejo lúdico e imaginário.


- O que se aprende com uma relação como a nossa?
- Serpentes irão cruzar o tortuoso caminho que escolhemos, ou que nos escolheu como armadilha da vida. Pedras, milhares a tirar por vez, e atirar pra onde? A tirá-las estamos a seguir o curso das coisas, a atirá-las voltamos um degrau atrás na linha da percepção do certo e errado, do que realmente vale a pena ser e dizer. Sermos nós mesmos só depende da ideia que se concebe do bem e do mau, e do que desejamos levar em conta quando o Sol se põe, quando mais um dia começa, ou quando um beijo acaba. Saber sempre que mesmo distante, tem-se outro coração que bate por nós é muito mais do que poderia pensar um dia em ter, é a cumplicidade implícita e as vezes explícita do ser que ama, sem medo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Chuva é afrodisíaco...

... Me disse numa animação acalorada o jovem encantador de corações, que hoje pode-se entender como o dono deste coração. Contaria, se possível fosse, os pêlos arrepiados em dois corpos presos por opção, um ao outro, num calabouço unilateral. Trôpegas, as pernas e braços; as mãos e abraços; encontravam-se imersos num prazer único, enquanto ao lado de fora, pedras d'água desabavam do céu cinza da cidade faixa-verde, fazendo a vida renascer dentro do quarto e nas folhas presas aos galhos fracos e maltratados das árvores que antes eram somente poeira e seca. Restaram, além dos corpos em êxtase total, pedaços de chocolate por todos os lugares, cheiro de banho tomado e carinhos afagando as costas largas. E quando foi embora, as poucos meus olhos pareciam ver um filme, repetindo essa tarde em flash... Até eu acordar e perceber que era efeito dos chocolates suíços.