terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O dia em que a chuva trouxe-me teu cheiro


Essas omissões não são tanto quanto válidas nesta plataforma de pensamento arcaico, quase puritano. Algumas me transtornam e transformam minha natureza em morta, e meu eu perde-se aqui nesse quarto-sala que resolvi revirar, enquanto, por decisão minha também, embebia-me com aquele vinho que por direito era teu. Pois bem, meia garrafa não te serviria mais, e a mim, estava de bom tamanho pra quem juntava os cacos no caminho pesado, quase pagão, que era este que eu escolhi quando te pedi que me deixasse. Hoje veio muita chuva molhar a árvore que reside em frente a nossa ex-janela, e ela parecia sorrir meio quebradiça para mim, com hábito de quem não convive sozinha. As árvores não são como eu, casular: Elas têm raízes que servem de contato quase fálico com o solo, adentrando a terra de forma fixa e segura, para retirar dela o que com a luz do Sol recolhida pelas folhas, transformará em energia para viver. As árvores são casas, palácios para alguns seres, sem pestanejar deixam-nos casar e viver em seu seio como filhos, maridos, irmãos. Eu não sou uma árvore. Eu hoje sinto-me quase verme, a buscar restos de forma derrotada, buscar o que sobrou da minha vida sem ti. Era o melhor pra mim, eu insisto em repetir, mas o que é melhor que dividir a vida com quem nos ama? Existia alguma razão para tudo isso e toda a divagação fora em vão, pois razão não existe quando a Lua mais alta no céu mais azul só me trás de volta o teu sorriso-afago. Quero tornar-me braços e perder seus abraços, mas o trem da realidade já chegou e sei que não tenho os bilhetes. Sequer tive coragem de compra-los, quando por puro medo disse-lhe as minhas meia-verdades. Pois bem, tomarei todo o teu ex-vinho, nesse seu ex-lar, na minha ex-vida onde talvez te reencontrarei em meio aos livros. Creio que o sindico poderá entregar-te tudo o que aqui sobrou, como restos de frutas numa caixa. O Natal passou. O Ano Novo também, e nesta hora a chuva carrega e pesa meu ar com teu cheiro, dando-me prazer e dor. Já passou. Mas voltará, cada vez que eu piscar. Preciso ser árvore esta vez.

2 comentários:

  1. Saudadinha que eu tava dessa alter *-*
    Tão triste, tão teimosa, tão... muitas mulheres...
    Sério, eu gosto tanto dos textos dela que acho que ela deveria ter um nome.
    Que tal Mara Coração-Teimoso? Parece nome de travesti (Atoron)

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  2. Que lindo!

    Eu também acho que você deveria dar um nome..mas um nome bonito! ;]

    Seus textos continuam maravilhosos! Parabéns :]

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