segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A MpB em Prosa Barata #1 - Amor, Fama, ou Meu Nome na Lama


"Como num romance, o homem dos meus sonhos me apareceu no Dancing, era mais um." A História de Lily Braun - Chico Buarque

Vesti a mesma roupa da noite passada, tanto fazia se era nova ou velha. Era só mais uma cantada no Dancing Bar, na W3, logo ali perto de casa, onde se pudesse, eu iria de chinelos. Por vezes me entupia de alguma maquiagem fácil, num contraste duro entre meu real e o pouco real que eu ganharia naquela espelunca. No mínimo uma flor qualquer de bueiro, no máximo uma garrafa de vinho mediano. Eu era assim: Na noite, Lily Braun, uma qualquer inveterada, mais uma voz a ganhar a vida na noite da cidade-concreto. Nada de concreto, de verdade, acontecia por aqui; nem meus surtos e nem a agonia do nascer de mais um dia onde meu nome não seria chamado nas novelas nem sequer nas rádios locais. Liliane não era sonoro, preferia desinventar essa tristeza toda que se embutia no rosto torpe, escondido na bela voz que eu deixava, por vezes, ecoar na sacada da quitinete comercial.
Por vezes, vinha um tal Joaquim, filho do dono de uma rede de mercearias me ludibriar. E eu até gostava do rapaz, ele me encanta enquanto eu cantava qualquer verso no ar. Me oferecia um drinque - por que não? Talvez fosse hora de eu arrumar um dono. Dono sim, pois eu era como os gatos: soturnos, sacanas e sem dono. Eu precisava ficar quieta por algum tempo, descrevendo todas as cenas que aconteciam nesses tempos de chuva e assim, aceitar ou não as frases e rosas no altar que Joaquim oferecia. Casar e alavancar minha carreira? Joaquim me prometeu uma banda e sair em turnê. Neguei mil vezes, mas por quê não sei. Aceitei  me despedir de tudo, menos do vinho mediano aquela noite; última noite na W3.
De close em close, tudo ao meu redor me fez perder a pose quando ele entrou no Dancing assim, como quem carrega o sexo nas mãos. Márcio, voraz, audacioso, pegada única. Nunca um olhar me desabou tanto assim, enquanto eu cantava meio trôpega "Bastidores". De fato cantei, cantei e cantei. Ele me ofereceu um whisky, em homenagem à minha despedida.

Márcio foi meu vizinho por dois anos. Eu sempre esbarrava com aquele homem de forte em frente à escada de subir, na lateral das lojas. Usávamos o mesmo tipo de leite, isso já me soava mágico desde então. Mas foi no whisky que me encantei mais. Lembro da primeira vez que transamos, tudo era forte e orgásmico demais, tinha certeza que seria apenas alguns deleites. Dois anos. E ele se foi. Agora me aparece novamente e eu, eu digo adeus. Estou saindo em turnê - pra vida.

Abusamos do Scott. Ele me puxou forte naquele banheirinho fugaz e disse que meu corpo era só dele aquela noite, e eu disse: - Please!  Aí de nada mais me adiantava esperar ter dignidade, eu não teria.

No dia seguinte, de fato consumado meu estado era crítico. O que havia acontecido era um pesadelo, mas, como impedir o corpo de reagir? Em 5, 4, 3 , 2, 1, 0 - eu estaria casada e pronto: Tudo resolvido. Flores no altar, painéis, fotos e um padre à esperar. Eu feito uma gema, amarelada de tanto temer,  segurei nas mãos frias de Joaquim e nada mais vi; quando de longe aparece a figura de Márcio a me aterrorizar. Foi caminhando no tapete vermelho da nave até chegar ao altar; amassou as rosas, queimou as fotos, me beijou sem sequer se preocupar com o que acontecia ao redor. Joaquim tentou reagir, e eu também: Não era justo que aquele homem de tanto tempo atrás atrapalhasse meu sucesso, invadindo meu momento assim; me tomando a cena das mãos. ele gritou, os seguranças ameaçaram, Joaquim sem entender avançou - era tarde, Márcio tinha um revólver prateado como as estrelas da nossa primeira noite - e atirou. Eu via tudo como realmente era certo e então: Nunca mais cinema, uma rosa nunca. Nunca mais feliz.
E meu sangue marcou aquela história para sempre, sempre que alguém passar no Dancing da W3, sentirá o gosto amargo naquele whisky mortal.

7 comentários:

  1. Gênial, tornou a musica, uma história épica. O sangue do final, transformou a história toda em puro vermelho.

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  2. Adorei, o testo te prende, sei la, as palavras tem uam certa força, impacto que te prendem, têm toda uma poesia, ritmo, mas não fica algo chato, massante.
    Adorei

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  3. yooooosh!
    Sensacional! A música já era perfeita, a história, nem se fala! Eu faria disso um filme, certeza :3
    Parabéns!

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  4. fantastico...............envolvente .....apaixonante !!!!!poderia ser um livroo.....

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  5. A linguagem fica meio torta, pois começa de um jeito e termina de outro. No entanto os recursos da protagonista, o desfecho com morte estilo chileno e o modo como vc põe Brasília são ótimos. Muito bom

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  6. Muito bem montado, remete mesmo aos botecos copo sujo de Brasília sem desabrilhantar a personagem e sua tragédia. Parabéns.

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