quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mulher Sem Razão

Moça pura ela não era, descia a rua maltratada, vestida de pouco pano carmim, onde as escadarias da boate suja eram seu descansa-pés. Era um beco qualquer da quadra três do setor comercial sul, junto a lixo, homens grosseiros e bêbados e alguns magros travestis. A viela servia para tudo: cama, sofá, mesa, lixeira, restaurante, motel e muitas vezes, hospital. Sim, era ali que se curavam os males da vida urbana no subúrbio da Capital Federal; em contrapeso, criava-se uma zona livre, para rapazes e moças de qualquer tipo encontrarem diversão. Claro que, somente os piores tipos procuravam Berta, a ruiva. A puta era das mais estragadas: cabelos estragados, boca alargada, cicatrizes no joelho e um aspecto de bêbada sempre. Berta, a ruiva, tinha alguns atributos físicos: seios e quadris avantajados, que despertavam o interesse de caminhoneiros aventureiros e outros tipos perdidos que procuram sexo fácil na noite. Porém, ela era esperta: sabia o que o cliente queria, fazia as "vezes da casa" sem frescura. Era profissional - se assim pode ser denominada, e como todas do ramo, uma sonhadora de dias melhores. Um dia Berta saiu com um rapaz atípico; pensou ela ser esse momento especial. Prazer ela só tinha assim: quando idealizava que aquele trabalho seria uma extensão da felicidade. Imaginava lençóis brancos, limpos e perfumados ao invés do cheiro de lixo da rua. Em suas visões, flores e um jantar lhe eram servidos, e o homem que lhe possuía como um animal delicadamente tirava sua roupa, trazendo a tona uma pele alva. Esse jovem estranho era assim: branco, alto, olhos claros; porém semblante pesado, tímido e apático, como quem não tem outra opção. Berta tentou falar algo, mas como todos os outros seu assunto era o valor, o que ela faria e quanto tempo duraria. Ao menos algo de belo este tinha, e não fedia como os outros que por ventura a estapeavam por mero desejo agressivo. Pensou que este ser seria seu príncipe salvador, mas quando viu, ele já estava sobre ela como um cão sobre a carne, e de calças arreadas numa rapidez juvenil, tivera um prazer fugaz. O jovem arregalou os olhos para a puta, que sem entender tentou tocar-lhe a face como num gesto de sutileza. Porém, já era tarde demais: uma faca rasgava as entranhas de Berta, e todo aquele líquido vermelho e denso se espalhava pelo resto de pele e roupa. O jovem correu, num olhar de estranho deleite, enquanto Berta, a ruiva, se lembrava do que sua mãe sempre falava dos homens - "Um dia, se nos entregarmos totalmente de corpo e alma eles acabam por nos dominando por completo e fazendo de nós o que bem querem. Assim, nos acabam, nos matam e maltratam, como faca em carne crua" - e pensou que talvez, num outro momento, ela sempre desejara isso. Mas neste dia, em que as vestes embeberam-se do fluido quente, os alicerces desabaram e fizeram dum príncipe e seu cavalo, o redentor da meretriz sem esquina.

6 comentários:

  1. Noooossa! Muito tenso, mas muito foda!

    Você é realmente um ótimo escritor!

    Parabéns *.*

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  2. História triste, porém real,infelizmente.
    ja faz parte do cotidiano. Pode-se dizer.

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  3. Talvez essa ruiva vendia esse prazer, para que um dia conseguisse achar o prazer eterno, o amor...e de fato é o que a maioria procura...o conforto, algo firme que a acolha, mas não há como se jogar e se deixar levar pela esperança de um amor, se deixando prender por limites.

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  4. Sensacional. Sério, vc deveria transformar esses thrillers psicológicos em filmes. Ia ficar rico e me sustentar -q
    Amo a profundidade do que tu escreve. De fato, Berta almejava esse momento de "purificação". Adorei *-*

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  5. Amo a profundidade do que tu escreve 2.
    As vezes, para uma pessoa como Berta, a única esperança, a unica paz é a morte. É lindo

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