sábado, 6 de novembro de 2010

A volta do que eu mandei embora

Eu peneirava o Sol com os dedos, enquanto de leve ouvia a calha cheia d'água jorrar como cachoeira suspensa, no meu jardim que não existia. Sim, uma vez fora um jardim que outrora teve folhagens; outrora cresceram flores. Embrulhei mais uma vez os livros da mesa de centro, pensando em novamente devolve-los a ti. Já não me pertencia nada que viesse de ti, não conjugávamos mais o mesmo verbo, nem víamos as cores com o mesmo prisma. Então devolver as coisas suas - que já foram minhas-tuas - era um dever em prática, algo que não demoraria a acontecer. Ensaiei em frente aos amontoados de papel, que por vezes você leu e releu enquanto eu degustava um bom vinho. Vinho este que, também te devolvo, aquela meia garrafa que seu avô nos deu; pois afinal, era pra ser nosso e não somos mais um do outro. Teatrei cada movimento, cada palavra muda a ser espelhadamente dita; e sabia o que você iria responder de fato: Que não devolvesse nada, que te fizesse meu de novo. Mas juntei meus saltos - alguns inteiros, outros quebrados - e guardei naquela caixa com a estampa da Torre de TV que você me presenteou no nosso primeiro ano juntos, em frente ao Lago Paranoá. Neste quarto-e-sala tudo era mais bonito; e hoje beijo sozinha a xícara de natal, com o boneco de neve entalhado entre flocos e vermelho intenso. As pantufas, você deixou para mim, pois não gostava que eu pisasse no chão frio quando mesmo no frio da madrugada, decidi que era melhor para nós dois que deixasse nosso lar. Deixasse os gatos, levasse o peixe; deixasse os livros que nunca li, levasse a televisão. Agora amontoo os livros para devolver-te sem querer, pois eles ainda completam minha estante e volta e meia, noite e dia, acompanham meu sono na cama vazia. As toalhas ainda tem seu cheiro; levaste as minhas e deixaste as tuas, como com um propósito maquiavélico de retorno. Afinal, qual era nosso crime e qual seria nossa punição? A minha eu já sei: Ouvir a calha entupida derramar essa água quase que dentro dos meus olhos, para que lave tudo o que eu um dia esperei de ti. Resta então, deixar o Sol fluir e secar cada gota como se fosse um suspiro seu de retorno.

5 comentários:

  1. Eu amo quando você escreve coisas meio sombrias,tristes ou conturbadas.
    Eu nunca acho as palavras certas para os meus comentários, mas espero que você entenda o que eu quis dizer. :]

    *-----*

    perfeito.

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  2. Pra mim soou, meio que o término de um amor super bem vivido.
    Adore esse post.
    Palavras,nao complexas de se entender, uma linguagem simples emfim...
    esse ja considero um dos meus preferidos.
    Bom... até agora é o meu PREFERIDO pode passar a ser tornar UM DOS preferidos.

    ^^

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  3. Medo desse seu dom natural pra escrever coisas maravilhosas!
    Sem palavras pra expressar! *-*

    Carol :D

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  4. Sério mesmo, amo teus textos sobre amor... E esse novo alter-ego tá super bombando! Me senti como se tivesse do lado dela, pronto pra amparar quando ela desabasse de tanto chorar!
    E sim, entrou pro ranking dos favoritos! :D
    Adoro tuas historinhas de amor, ainda mais os bem vividos *-*

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  5. Ahhh, esse bateu lá dentro!!!
    Good - Roberta!

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