terça-feira, 26 de outubro de 2010

Devaneio na Cidade

 Cruzou a rua em devaneio o Poeta sem nome, que incansável permeava entre a lucidez e a palidez do ralo raio de Sol a amarelar a face. Urbano, em meio a florestas de concreto, metal, gesso e vidro, caminhava numa daquelas noites subconscientes e sem destino, fugaz como o nascer de uma manhã de verão. A cidade não para, e parecia nem perceber ou sequer se importar com a existência do Poeta, um pouco por sua transparência, um pouco por sua proximidade com as cores da cidade-cinza. Ao menos a brisa era leve, o toque do ar em sua pele parecia trazer um pouco da fertilidade externa, do verde que proliferara desde que as chuvas do dez voltaram, para limpar as folhas secas e molhar de vez todo o piso-estrada. Mesmo a cidade-mãe ignorava-o, mesmo os outros, mesmo aqueles que diziam ser amor, abandonam-no e nessa tarde respingalhada de ilusões o Poeta pensou no por que da existência dele, da arte; da sua arte, do que ele faz; pra quem ele faz? "O Poeta já morreu", pensava desnorteado, entre as buzinas e luzes dos faróis dos carros alheios. E teve medo. E o Poeta, em devaneio, teve medo de que tudo o que ele se esforçara para fazer fosse em vão. "Arte pra quem?"; "Arte, pra que arte?" Faltava hoje na vida do Poeta o combustível da sobrevivência, aquele contado em conta-gotas de pormenores, que ele sempre valorizou como sua melhor quimera; como sua maior criação. Mas quem enganou o poeta que esse combustível estaria disponível pra ele como fonte eterna de sabedoria? Quem disse que ele inventou-o? O Combustível do Poeta não pode ser inventado, e só recebido. Devaneio hoje, perdeu-se sem amor.

5 comentários:

  1. Ah, você já sabe o que eu acho dos seus textos, né? xD

    Eles me lembram muitas coisas,esse principalmente.

    Como sempre, está muito bom! ^^

    =]

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  2. De fato esse poema se reflete muito nas pessoas que andam a pensar por Brasília nesse atual tempo maravilhoso. Quase posso sentir a umidade da chuva e ouvir a ópera das cigarras mesclados nos pensamentos -autobiográficos, pelo menos acho eu- do eu lírico
    Amo³ teus textos :3

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  3. Bom dia!

    É um prazer dolorido ler o seu texto poético. Porque a poesia é isso - como a vida - prazer e dor numa mesma taça!

    Anabe Lopes

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  4. Vc fala difícil, amiga! Não! Eu é que não estou acostumada com esse vocabulário lindo! Parabéns, maravilhoso!

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